quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Trechos de Livros 1# Livro = Fala sério, amiga!

   Ponto de Interrogação

Fim de sábado, pôr do sol bonito, clima agradável, horas no computador no quarto com a Alice... Precisava de algo gostoso para fazer aquele cenário perfeito, mais especificamente de uma coisa gelada entrando em contato com minhas papilas gustativas. Alice pareceu ler meus pensamentos e perguntou, iniciando um diálogo sem precedente em nossas vidas:

-Sorvete?

-Baunilha?

-Com chocolate

-E amêndoa?

-Muita calda de chocolate por cima?

-Ou de morango?

-Morango combina com baunilha e chocolate?

-Por que não combinaria?

-Sorvete do Bob's ou do McDonald's?

-Que diferença faz?

-Nenhuma, os dois fazem doer os dentes, né?

-Seus dentes doem com sorvete, Alice? Desde quando?

-Seus dentes não doem? Como? Por quê? Isso é normal? Isso pega?

-Por que os seus não doem?

-Por que eu sou fofa?

-Acha que eu vou levar essa resposta a sério, Malu?

-O que você queria que eu dissesse?

-Meu dente é feio?

-Quer mesmo que eu responda isso?

-Por que não?

-Quer que eu diga a verdade?

-Dá pra parar de suspense? É ou não feio?

-Isso lá é pergunta que se faça?

-Feio e fresco, é isso que você acha e não quer me dizer, não é?

-Fresco? O certo não seria sensível?

-Dente sensível? Isso é um problema?

-E não é? Se não é problema, é o quê, então?  Dor não é problema?

-Tenho que ir a um médico? Será que é grave? Será que estou com um doença seriíssima?

-Quer parar  de dizer bobagem?

-Você não se preocupa comigo?

-Já não disse que seu dente é só sensível?

-E feio?

-Por que você não faz clareamento?

-Meus dentes são feios, sensíveis e encardidos? Você não tem nada mais animador para dizer?

-Seu pai não tem um amigo dentista?

-Você acha que eu vou pagar para ir sofrer no dentista?

-Você não vai ao dentista Alice?

-Você vai?

-Meus dentes doem, por acaso?

-É porcaria não ir ao dentista, sabia?

-Eu lá disse que não ia? Quem puxou esse assunto de dentista?

-Se não foi você, quem foi?

-Ai, Alice, vamos parar com isso?

-Se eu for ao dentista, será que ele vai cuidar direito de mim?

-Menina, existe outro profissional, que não um dentista, capaz de dar um jeito nos seus dentes esquisitos?

-Esquisitos?

-Eu disse esquisitos?

-Malu, por que você está debochando? Não  vê que estou preocupada com a situação?

-Dente é importante assim pra você?

-Dente não é importantíssimo para todo mundo?

-Todo mundo quem, cara-pálida? Coração, fígado e intestino não são muito mais importantes? O que é um dente perto de um fígado?  Tem coisa mais linda e importante que o fígado? E o coração, então?

-Se eu tiver que arrancar todos os meus dentes, você vai comigo apertar minha mão?

-Não sabe que eu desmaio vendo sangue? Por que você não chama a Duca?

-Por que não você?

-Se eu for, você me mostra como bota e como tira a dentadura?

-Você vai querer mesmo que eu te ensine essa nojeira?

                                                                                           [. . .] (quando for muito grande a história e a parte não tiver importância ou não é muito engraçado, eu vou pular pra outra parte)

-Será que você vai aguentar essa vida banguela?

-Eu posso enforcar você Malu?

-Vamos fazer uma festa de despedida dos seus dentes?

-Sério, posso enforcar você?

-Por que tanta agressividade Alice?

-Você acha que eu tenho cabeça para pensar em festa em meio dessa tragédia dentária?    

-Por que a gente tá falando assim?

-Assim como?

-Reparou que a gente não usou um ponto, a não ser o de interrogação, para terminar esse diálogo?

-Tá falando sério?

-E eu ia brincar com uma coisa dessas? Você não sabe que meu ponto prefeirdo é o de exclamação?

-É?

-Ou é o ponto final?

-Não era você que gostava de reticências?

-Sabe que não lembro?

-Como isso começou Malu?

-Não tá muito engraçado?

-Será que a gente só vai conseguir falar assim daqui pra fretne?

-E enlouquecer todo mundo?

-Não ia ser divertido?

-Você se imagina rindo com dentadura?

-Acha mesmo que posso ficar sem os dentes?

-Ficar sem os dentes  e se tornar a menina mais esquisita do mundo? Acho. Ufa! Não usei o ponto de interrogação. Que alívio. Essa conversa não estava te irritando?

-Você começou de novo Malu?

-Comecei o quê?

-A só falar com interrogação?

-Isso não está te irritando?

-Pode parar?

-Por que você não para?

-Quer que eu vá embora?

-Acha melhor?

-A gente se fala mais tarde?

-Eu te ligo?

-Às oito, na hora do jornal?

-Pode ser oito e quinze?

-Por que não?

Alice saiu voada do meu quarto. Será que estava tão horrorizada quanto eu? Estranho aquele diálogo... Muito estranho...

      Melhor ligar pro médico?, pensei. Que nada, tinha uma opção bem melhor:

-Manhêêê! Vem aqui, por favor?

Contei para a minha mãe o drama da interrogação doida. Estava em busca de carinho, compreensão, um pouco de conversa sem esse ponto insistente, uma palavra amiga, que só as mães sabem dar:

-Maria de Lourdes, você acha que eu não tenho mais nada pra fazer a não ser pensar nessa maluquice de "mundo bizarro da interrogação"?

-Vai me deixar aqui sozinha? Não acha que eu e a Alice estamos ficando malucas?

   Ela já tinha ido embora do quarto, com uma batida de porta equivalente a mil pontos de exclamação.                           

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